Tinhas os olhos rasos de água quando te encontrei naquele dia.
Passei um bálsamo calmante sobre as tuas pálpebras, que já estavam fechadas, e com dor, de tanto choro, e disse-te que tudo iria correr pelo melhor.
Que eu estava aqui. Que eu estava do teu lado.E que a morte poderia esperar mais cem séculos para te levar para junto dela pois ainda não havia chegado a tua hora.
E o pão mal tinha começado a levedar.
Nem o fermento havia ainda sido transformado.
E o meu forno já ardia esperando pelo teu corpo.
Disse-te que contemplarias os Campos Elíseos daqui a mais cem séculos, quando as rosas do jardim murchassem e eu me picasse mortalmente num dos seus espinhos.
E que o tempo seria multiplicado por sete e alcançarias a imortalidade.
E isso acalmou-te.
Passei de novo o bálsamo nas tuas faces que se encheram de alegria.
A alegria momentânea dos moribundos.
E o forno tinha sido aberto para receber o teu destino.
E apesar de saber que dali a instantes serias levado no carro de Apolo em direcção ao sol, não me importei.
Falei-te do mais belo que havíamos vivenciado no mundo e que tudo o mais era sem importância.
E disse-te…
Disse-te que estarias sempre comigo, e que guardaria o teu coração num frasco de alabastro branco, como o mármore das igrejas, e que serias sempre habitante das profundezas do meu ser.
E isso acalmou-te.
Foi então que o espírito do tempo chorou e entrou no teu corpo e cortou as últimas amarras, que te prendiam ao navio da vida.
E morreste-me, naquele dia.
E contigo, todo o meu ser.
publicada por unknowngirl em http://www.fragmentsofyou.blogspot.com/
sugiro também "Morreste-me" de José Luis Peixoto
o primeiro livro do autor, em que toca com o que foi a morte do seu pai, vitima de cancro
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