Eu era pessoa para te dar o pequeno-almoço à cama,
Era capaz de seguir-te os passos, sem embaraços de patriarca.
Ser o teu maior confidente far-me-ia contente.
Presente. Pudesse eu ser o teu presente,
Abraçar-te, tornar quentes as tuas mãos,
Sentir os teus olhos sãos, sem reservas nem senãos.
Sou, por ora, aquele que te ignora,
E que te envia mensagens com emissor não identificado.
Só quero que assim me aceites,
Pois só eu sei como és linda.
«És linda».
Só quero que tenhas fé naquilo em que não acreditas.
«És linda».
Pudesse eu ser dizer-te,
Pudesse eu ser dizer-te,
Com um prato e uma bebida entre nós,
Que és bem mais do que aquilo que vês em ti,
Que o rigor com que te controlas não tem tanto valor como tu,
Que a perda de gramas enfraquece as tuas chamas,
E que com esse sorriso de plástico não me enganas.
Quando por mim passas,
Às pressas, à saída do refeitório.
Sim, escolhi aquela mesa, junto à entrada,
Para quando levas, embrulhada, a sobremesa,
Deixando o prato quase cheio.
Assim tens que passar por mim,
E sentir que alguém te sente e observa.
Pudesse eu ser o cabelo que enrolas entre os dedos,
E amaciar os teus medos,
Sem julgar os teus segredos.
«És linda».
E sempre que por mim passares,
Podes trocar olhares e, até, esgares,
Porque mesmo sem falares,
Lembrar-te-ás de que és linda.
Porque alguém te viu.
E te deu prazer (de comer), sem nada fazer.
Sem crer que «crescer é sofrer», em silêncio.
Vidas Privadas - Crónicas de Clara Soares
A todas as jovens que sofrem de distúrbios alimentares (anorexia)
e perturbações da imagem corporal.
1 comentário:
Crescer é sofrer...
Muito bom.
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