04/05/2008

...Transparente...

Confirmo que não sei como estar se não é isto que quero estar. Confesso que não sei mais o que fazer para sossegar o monstro que criei em mim, não por que me consuma, gosto dele, mas porque vejo o quanto incomoda os que me estão próximos. O quanto posso ser uma distracção do que é importante e, acabar por não valer, aos que mais quero.
Tenho essa noção, de que deveria parar às vezes, ou agora mesmo, mas, pelos outros não por mim e se calhar também caio na esparrela de me preocupar com eles mais do que comigo, e nesses "para-arrancas" atraso-me, mas também não tenho pressa.
Mas fujo desse dilema, aliás não fujo, não passa por mim. De tanto passar no passado até acho que já escolho o que me apetece passar e com o que sofrer, embora não saiba viver de outra maneira, mas pelo menos é comigo ou com quem eu escolho que estou a passar-me, com os meus pequenos terrorismos pessoais monstros diários, que às tantas só eu é que alimento e a ninguém em mim aparecem, mas pouco me importa isso.
Não me vejo a viver a vida de mais alguém que não eu.
Vai daí, nem eu me entendo, mas também não peço a mais ninguém pra entender, nem eu me perdoo por não ser de outra forma, nem peço perdão a mais ninguém, por todas as formas em que amo e estou e dou e tiro de volta antes de dar, em que sou ou não sou, em que exijo antes de reconhecer, em que piso e maltrato, em todas as formas em que julgo e selecciono e em que não tolero não cedo, por todas as formas em que ergo aquelas barreiras invisíveis com que impeço qualquer um de me "tocar".

Mas ai até eu me engano às vezes, e alguém sempre fura a protecção e me afecta, mesmo que colateralmente em situações que deveriam ser directas, ou em cheio em outras que não me seriam dirigidas mas que me atingem. Mas paciência, eu não sou, portanto, ninguém é perfeito...
Quer-se dizer: tento viver, para além de sobreviver nesta esfera, e tento percorrer o meu caminho, sem desvios, mas há-os sempre. Há sempre quem apareça pela frente, quem me chame lá atrás não sei de onde, ou quem também erga as suas barreiras distintas das minhas, e por onde eu estava a pensar ir, já não vou conseguir.
Mas a vida não tem um mapa, e as viagens não se repetem, nem são iguais, por mais paralelas que sigam. Apenas existem pontos comuns entre a nossa linha e a linha dos outros, e nesses pontos dizemos, que nos cruzamos. Mas não passa disso, uma cruz, depois cada um segue o fio condutor da sua historia. Nunca se fundem os seres, os existires, se não nos sonhos.
Mas bolas, confirmo que sou eu quem anda às voltas, antes de me decidir, mas porque quero, não porque esteja perdida. Gosto das voltas.
Primeiro que me diga a mim quem vive em mim, se é por ali ou não, e só depois disso eu vou. Não quero que me puxem, não admito que me empurrem, não ceguei ainda ao ponto de terem que me mostrar mais e mais caminhos, não sou totalmente analfabeta nesta escola... Eu vou, hei-de lá chegar, mas no meu compasso, na minha hora. Eu quero desbravar por onde vou, e não peço alcatifas para passar, por onde os outros já pisaram, e dizem que será melhor ou pior. Sei que vou cortar os meus pés, que vão ficar descalços, mas vou... gosto de mim muito mais a ir. E depois, detesto pressões, principalmente as que nos atraem para o buraco negro da normalidade.
Posso ser eu que estou mal, obviamente não nego!
Se sou sempre eu a contrariar e, todos os outros têm razão, então a razão não está comigo, certo! Mas isso é hoje! Amanhã, lá num amanhã longínquo, poderei vir a ter razão, mas novamente estarei no sitio certo na altura errada. Mas nem por isso me sinto deslocada ou à parte deste mundo. Pelo contrário, sei que não sou da época, não sou do bem actual, como ele é estereotipado nos dias em que aqui estou, mas também não me marginalizo.
Adoro esta terra redonda, mas como todos sabemos, nem sempre se achou que ela era redonda, por isso, nunca digam, que tudo é certo como lhes ensinaram que era. Apenas tenho a alma presente, mas ausente, porque não pertenço a este tempo, parece-me que é isso. E daí, parecer que estou sempre inadaptada, ou parecer-me a mim, sei lá!
Há sempre uma busca de mim, em qualquer parte, que não termina, mas não tenho pressa. Vagueio insistentemente como sei, à procura de um sinal da minha pessoa, estampada por árvores que subi, por folhas vermelhas que apanhei do chão, por calçadas que palmilhei, por pedras com que escrevi, por ruas por onde passei, pétalas que arranquei das minhas flores dos jardins que assaltei, por amores que desiludi, por ódios e fracassos que amei, e mesmo que nunca me encontre, ando bem. Estou rodeada desses fragmentos, de mim espalhados ao sol, partilhados com tanta gente, que não me acho no direito de escolher ás vezes, quem deva ou não deixar-me levar.
É o meu estado de sítio este, mas não é uma dor, não é um problema, pelo menos para mim. Só passa a ser, quando nestas minhas incessantes lutas, são apanhados, os que menos queria desorientar, ou abalar.
Diz-se de qualquer um que não sabe o que quer, não sabe o que fazer, não sabe o que sentir, não sabe como viver, que está perdido, e eu nem sequer com isso concordo. Não me sinto perdida. Apenas não me é o bastante encontrar-me aqui ou ali. Se sei onde estou, o que procuro agora já não sou eu. E continuo a procurar, porque me recuso a parar, a morrer.
E esse lugar comum a que chamam usualmente de pessoa inconformada ou anti-social, não me aperta a cabeleira. Sou como sou e ninguém é totalmente transparente. E quem não me aceita, só perde, porque então a esses eu não me dou.
Não sou do contra, só por ser! Só que tenho que ser eu a dizer o que me é contra ou a favor, e ninguém me venha de encontra, descobrir o que ainda nem eu descobri.
Não tenho pressa, como se fosse eu a dona da minha própria vida, sei que o exercício é demorado, com esta minha teimosia é até dificultado em relação aos que me acompanham, sei que fico pra trás, ou atalho por onde ninguém mais, mas sou dessas que preferem ir aonde me leva o coração, e não por ai...Sempre soube que era daqui, e de tanto outro lugar, que não me estranho. Não me custa vacilar, bambalear na minha linha que anda suspensa, já nem cordão é nem rede tem por baixo. Só me fazem hesitar os que amo, pois olho e vejo neles o medo de me perder. Creio que, só os que me amam, sabem que não me podem prender. Mas são eles que me prendem, a tudo o que ainda trago comigo, e sendo assim, sempre que me sinto assim, sei por exclusão de partes, que é porque alguém que amo está por minha causa a sofrer.
O amor, vive em cadeia: Tu dás, o outro dá ao outro, ao a seguir. E se um dia voltar a ti esse amor que deste, é porque o circulo era fechado. Isso não está certo, não deveria ser, mas é assim que funciona e todos dizem que é assim que tem que ser, ensinam-te mesmo a primeiro semeares, pra depois colher, como se o amor fosse um vegetal que pudesses cultivar.
Nem todas as leis da vida foram já encontradas, ou decifradas, levam milhares de anos, a evoluir, E eu não quero reinventar o amor. Mas o certo é que até hoje, ainda ninguém inventou um amor como o meu.
Para receberes amor de volta, de uma pessoa, costumam instigar-te essa velha teoria do ricochete, como se fosse verdade, e ainda há quem acredite, aliás, não encontro é quem como eu não acredite, que seja preciso dar para receber, entre duas pessoas e entre si, ou que se tem que retribuir a quem dá.
Não, não é assim que tem que ser. Os sentimentos e as partilhas podem se trocar, e dessa forma tudo seria mais fácil. As pessoas deveriam deixar de se cobrar, seriam muito mais felizes assim. Dar é dar, e mais nada, sempre se soube, e essa é a única fórmula que prevalece neste mundo que constantemente gira, e consequentemente faz-me girar a mim.
Um exemplo prático é o mais proximo que tenho: Não me admiro, de ser gelada, nem fria sou, sou gelada por exemplo para a minha mãe. É a pessoa que mais me ama, a que mais amo, e não é por causa disso que é quem me tem mais, ou mais amor. Eu não posso fechar o meu circulo.
O que me dás, aprende, não vais receber de volta que eu não te dou. Vou dar a outros que ainda não têm. E essa é a minha forma de estar na vida. Só assim poderei crescer, ou um dia dizer que valeu a pena.
A reciprocidade não manda, nem sequer deveria de existir. O que deveria mandar era a troca, como nos primordiais conceitos de partilha, onde seria mais justo tu dares-me o que não tenho, eu trocar pelo que te posso dar, e na volta, teríamos ambos muito mais, e diversificando na nossa relação iríamos ai sim, sempre mutuamente partilhando e amando. Mas não é assim ainda. Nestes dias em que vivo não nos deixam trocar as coisas valiosas entre si, mesmo que sejam diferentes, e necessárias a ambas as partes por igual. Não há cá misturas, é pão pra pão e queijo pra queijo, e não há a felicidade também , de ter de tudo, o que se possa dar e receber sem mencionar previamente os géneros, e as espécies dos sentimentos implicados.
Por isso é que associam ainda tanto o amor ao sofrimento. Porque as pessoas não foram feitas para retribuir nada, muito menos o amor, e assim o são obrigadas, e assim o são infelizes.
Cá pra mim, é porque se fechou o circulo do amor, que se fechou simultaneamente o do sofrimento. Então, não se queixem!
Não me prendam aos amores aos sofrimentos, aos básicos valores que regem como sendo certos. Eu não vejo isso , para mim, não são e um dia lá chegarão.
Mas nem por isso me acho mais à frente, apenas me atraso, e me deixo ir mais lentamente. Porque enquanto cá andar, sei que vou andar sempre ao contrário. E custa-me muito o que isso faz nos meus, não nos que não me interessam, mas nos meus, que não são do mesmo naipe, mas não têm culpa.
Agarro-me ao que posso, para não desaprender que entre não amar e não sofrer e amar e sofrer é preferível, a segunda situação, nestes tempos atrasados em que a reciprocidade é exigida e a troca não é livre e a partilha feliz.
Agarro-me à vida nos olhos do meu filho, nos abracinhos que me dá, pra me convencer de que ser daqui deste tempo e deste lugar, só por ser mãe dele, até pode ser muito bom. Agarro-me ao que tenho, pra definitivamente não me perder, naquilo a que todos os outros entendem por isso, e não procuro tão exaustivamente, tão ansiosamente. Sei que em tudo o que me encontre, no resto dos meus dias, vou me reconhecer, e não tenho pressa...
Há uma natureza mãe em mim que apesar de tudo, me diz pra viver enquanto estou viva.

E, a viver quero que seja com o que amo, com os que amo.
Por isso confirmo que não sei como ficar, porque não sou de ficar, mas vou ficar.

Malu

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