"O Canto do Vento nos Ciprestes", de Maria do Rosário Pedreira, exibe um sujeito afundado na sua própria dor amorosa, arrastada por um clarão cortante, nocturno.
Uma publicação da Gótica
O "segredo" de O Canto do Vento nos Ciprestes, de Maria do Rosário Pedreira, é o obstáculo. O obstáculo, inerente a qualquer amor, está sempre presente nesta espécie de romance poético, com incidências que poder-se-iam considerar epistolares. O simbolismo da perda, da morte de uma paixão surge aqui como condenação tornada evidente pela exigência da escrita: "[...] o dia treme na linha/dos telhados, a vida hesita tanto, e pudesse eu morrer,/mas ouço-te a respirar no meu poema".
O realismo do verbo nestes poemas de tendência narrativa, descritiva, destas histórias que se sucedem ininterruptamente numa harmoniosa circularidade, reside no canto. Porque amar é cantar, o amor reside no canto, quem canta merece o amor, mesmo que ele possa vir a morrer.
Maria do Rosário Pedreira ousa penetrar na vertigem de uma paixão que conserva em si o sentimento, mesmo já sem o Outro, após ter passado pelo pressentimento da perda. Não é o amor uma frutuosa incompletude? O desejo dir-se-ia, por outro lado, uma nostalgia - do que fomos e do que ainda misteriosamente somos...
E a poetisa sente a morte chegar, e quer ir no lugar do amado. O poema traz, desse modo, em si o fundamento da comunidade, a da conservação do Tu no Eu, a realidade que não se adapta à ausência e se ajusta ao irredutível: "Não te demores - o sol anda a deitar-se sem pudor/em todos os telhados, e a luz esmorece, e o luto/da noite alonga a espera."
Estranhas paisagens que conduzem o leitor à "enfermidade da morte", revelada aqui como metáfora de uma extrema perda. O discurso poético, torrencial, sem ser retórico; sentimental, mas vigiado, exibe um sujeito afundado na sua própria dor arrastada por um clarão cortante, nocturno.
A catástrofe do amor invade este livro abissal. Roland Barthes fala mesmo em "pânicos", em algo que não continua, em situações sem regresso: "Projectei-me no Outro com uma força tal que, com a sua falta, já não posso deter-me, recuperar-me: estou perdido para sempre."
Esse luto atravessa também este Canto do Vento nos Ciprestes, com uma desmesurada fadiga na sua totalidade impossível, na diferença esboçada entre dois destinos. Na sua leve densidade, o livro da também autora de A Casa e o Cheiro dos Livros não se reduz a fáceis registos psicológicos. Fala do amor como espera, como nostalgia, revelando-nos que a paixão escapa-se da possibilidade.
Separados e unidos - não obstante o paradoxo -, assim, eternamente, estão este Eu e este Tu com a morte entre eles, porque o amor não suprime a morte, e a autora escreve-o. Todo o episódio amoroso neste livro reveste-se, assim, de um significado, conduzindo o leitor a uma história trágica, ordenada no seu caos. Persiste, no entanto, a sensação de que a plenitude existe e que a memória não deixará jamais de a fazer regressar, porque o sentimento é afirmado enquanto valor: "Nunca te esqueci - é este um amor maior/que atravessa a vida e resiste à cicatriz do tempo."
Não há aqui lugar para um tempo do amor, o discurso é sempre o da sua memória. Não ficam nestas páginas o deslumbramento, a exaltação, a projecção de um futuro pleno. O Canto do Vento nos Ciprestes atravessa, sim, uma espécie de longo túnel premonitório no qual viajam a ameaça da morte e o tremor que modifica o "idílio", porque tudo se dilacera: "[...] Por isso, vou para casa/e aguardo os sonhos, pontuais como a noite."
Maria do Rosário Pedreira faz do "em ti" ponto de partida e chegada. "Amor, que a amado algum amar perdoa", escreve Dante, reconhecendo que esta é uma luta de morte. A poetisa sabe, por outro lado, que o amor dir-se-ia também angústia da perda.
Ana Marques Gastão in DN de 9-6-2001
1 comentário:
"Separados e unidos - não obstante o paradoxo -, assim, eternamente, estão este Eu e este Tu com a morte entre eles, porque o amor não suprime a morte"...
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