Hoje começa oficialmente o Inverno...
E os meus dias são cinzentos desde que te foste...
O meu corpo está gelado, há tanto tempo,
o tanto quanto o que espera por ti...
Meu amor...
Só esse amor pode aquecer meu sangue...
Só essa clareza dos teus olhos pode adoçar o meu olhar,
deixá-lo vivo, com vontade de rir...
Tenho tantas saudades dos teus olhos em mim...
Só a certeza desse amor, pode fazer-me seguir...
Só a alegria de te saber, pode conseguir-me emergir
deste meu estado caóticamente hibernado,
de lenda ainda não inventada,
de prenda ainda embrulhada... deixada...
naquela tão triste árvore de Natal naquele canto,
naquele lugar pra onde não me apetece voltar...
Só a força desse amor, pode fazer-me acreditar
que passar mais um dia, mais um inverno
mais um Natal, mais um ano, sem ti...
poderá querer dizer que,
se a nossa história ainda não acabou...
é porque ainda não chegou ao fim...
Não está fácil...
Mas é Natal... e prontos... e tal... estamos aí...
Batem leve, levemente
como quem chama por mim
Será chuva? Será gente?
Gente não é, certamente
e a chuva não bate assim.
É talvez a ventania:
mas há pouco, há poucochinho,
nem uma agulha bulia
na quieta melancolia
dos pinheiros do caminho…
Quem bate, assim, levemente,
com tão estranha leveza,
que mal se ouve, mal se sente?
Não é chuva, nem é gente,
nem é vento com certeza.
Fui ver. A neve caía
do azul cinzento do céu,
branca e leve, branca e fria….
Há quanto tempo a não via!
E que saudades, Deus meu!
Olho-a através da vidraça.
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
os passos imprime e traça
na brancura do caminho…
Fico olhando esses sinais
da pobre gente que avança,
e noto, por entre os mais,
os traços miniaturais
duns pezitos de criança…
E descalcinhos, doridos…
a neve deixa inda vê-los,
primeiro, bem definidos,
depois, em sulcos compridos,
porque não podia erguê-los!…
Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…
E uma infinita tristeza,
uma funda turbação
entra em mim, fica em mim presa.
Cai neve na Natureza
e cai no meu coração.
Augusto Gil - Balada da neve