27/03/2010

... deixa-me conhecer-te...


A antecipação de um lugar ou de alguém, será sempre um fenómeno efémero face à realidade encontrada desse acontecimento antecipado.

Se por um lado a nossa imaginação constrói imagens mais perfeitas que a realidade, a continuidade do tempo e espaço do real, confrontado com o que dele esperámos tornam a nossas expectativas forçosamente imperfeitas e incompletas, quando finalmente se cruzam a antecipação e o real.

Por exemplo, idealizamos mundos perfeitos, quando confrontados com um folheto turístico de um ilha paradisíaca com palmeiras sob um pôr-do-sol em águas cristalinas. Contudo, essa idealização perfeita na forma, será imperfeita comparada com a realidade. Essa ilha será real: terá certamente pobreza, esgotos, buracos nas estradas, crimes e doenças tropicais….

O processo de conhecer alguém, sofre deste mesmo confronto do real com o imaginário. Criamos bonecos ou réplicas ideais onde afinal existem seres humanos complexos, com os seus medos, complexos, sentimentos, defeitos e virtudes e tripas e dores físicas, e coração e alma.

Dependerá de nós a escolha de ver nos outros, o boneco que deles idealizámos ou por outro lado procurar o ser vivo que existe para além do que os nossos olhos conseguem ver …

Doll or a girl
publicado por MarioG

24/03/2010

...o amor é ter medo e querer morrer...




"fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor.
eu sei exactamente o que é o amor. o amor é saber que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer... o amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte de nós que não é nossa. o amor é sermos fracos... o amor é ter medo e querer morrer."

de, José Luís Peixoto
in A Criança em Ruínas

(ainda bem que alguém consegue escrever o que eu por mais que o faça não consigo exprimir... é desconcertante, ler e identificarmo-nos tanto com o que ali está... por isso sou menos que fã, e mais que admiradora... sou peixoto inteira... obrigado josé luis por partilhares o que a tua alma tem de comum com a minha. sinto-me menos desigual quando te leio...)

23/03/2010

22/03/2010

... hoje ...

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;

Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.
contrariedades
no livro de Cesário Verde

20/03/2010

...fico contigo... hoje e sempre...


Se quando tu voltares, se for já muito tarde, se eu não for capaz de perguntar, porque demoraste... Então deixa que te diga : és tudo o que me resta na noite.... espera comigo, por outra noite como esta.
Hoje não sou mais do que tu... quero estar perto de ti... haja o que houver vou continuar ... tudo o que faça lembrar de hoje ... és sempre hoje

Se me ouvires cantar todas as palavras... servem para proucurar a imagem do teu rosto... Se me prometeres que ficas comigo eu espero para sempre ... e fico contigo.
Hoje não sou mais do que tu... quero estar perto de ti... haja o que houver vou continuar ... tudo o que faça lembrar de hoje ... 

Os meus olhos ficam acordados para te poder ver ... Já é madrugada tu estás cansada  devias saber ... vou ter que dizer: Hoje não sou... mais do que tu... haja o que houver vou continuar ... És sempre hoje ....

És sempre hoje ...

João Pedro Pais

18/03/2010

...incontinente...


Sob a máscara tudo se oculta - o Bem e o Mal. Tanto usam máscara o Zorro e o Superman como os ladrões e os terroristas. Realmente todos usamos máscaras, sem elas era impossível sobreviver. Sorrimos quando nos dão uma bofetada, choramos para obtermos o que pretendemos, montamo-nos nas nossas tamanquinhas para parecermos mais fortes do que somos, falamos mais alto do que os outros para os atemorizarmos, mostramos os nossos mísseis para paralisar de medo o inimigo, fazemos ar sonso para fingirmos que nem um prato seríamos capazes de partir, vestimos o nosso melhor fato para ninguém saber que estamos tesos, publicamos fotografias antigas para escondermos a idade, e que mais? Mas não era possível andarmos nus na rua, nós, os mais indefesos animais da Criação. Sem máscara, não conseguiríamos segurar as lágrimas nem o riso, seríamos incontinentes emocionais...
estela guedes

...arrisco...e não sou nada... senão o teu "Não"...


Para o guerreiro, não existe amor impossível. Ele não se deixa intimidar pelo silêncio, pela indiferença, ou pela rejeição. Sabe que, atrás da máscara de gelo que as pessoas usam, existe um coração de fogo. Por isso o guerreiro arrisca mais que os outros. Busca incessantemente o amor de alguém, mesmo que isto signifique escutar muitas vezes a palavra “não”, voltar para casa derrotado, sentir-se rejeitado em corpo e alma. Um guerreiro não se deixa assustar quando busca o que precisa. Sem amor, ele não é nada.

Paulo Coelho
o não

14/03/2010

... o verdadeiro gesto de amor ...



 (e o que não vivi, um dia hei-de inventar contigo)



Aquilo que de verdadeiramente significativo podemos dar a alguém é o que nunca demos a outra pessoa, porque nasceu e se inventou por obra do afecto. O gesto mais amoroso deixa de o ser se, mesmo bem sentido, representa a repetição de incontáveis gestos anteriores numa situação semelhante. O amor é a invenção de tudo, uma originalidade inesgotável. Fundamentalmente, uma inocência.

Fernando Namora,
in 'Jornal sem Data'

10/03/2010

...algum dia...


«Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar, indefectivelmente, encontrar-te-ás a ti mesmo e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas horas»

Pablo Neruda

09/03/2010

...tristeza...


"Quem conhece a felicidade não consegue mais aceitar humildemente a tristeza."

Paulo Coelho
in Brida

03/03/2010

...e pudesse eu...



sei que um dia vais dizer

... no fundo é que estamos ...


Há dentro de nós um poço. No fundo dele é que estamos, porque está o que é mais nós, o que nos individualiza, a fonte do que nos enriquece no em que somos humanos. E a vida exterior, o assalto do que nos rodeia, o que visa é esse íntimo de nós para o ocupar, o preencher, o esvaziar do que nos pertence e nos faz ser homens. Jamais como hoje esse assalto foi tão violento, jamais como hoje fomos invadidos do que não é nós. É lá nesse fundo que se gera a espiritualidade, a gravidade do sermos, o encantamento da arte. E a nossa luta é terrível, para nos defendermos no último recesso da nossa intimidade. Porque tudo nos expulsa de lá. Quando essa intimidade for preenchida pelo exterior, quando a materialidade se nos for depositando dentro, o homem definitivamente terá em nós morrido.

Vergílio Ferreira,
in 'Conta-Corrente IV'

01/03/2010

... Como Te Tens Lembrado Hoje de Mim? ...


Nós, pobres mulheres, apesar do nosso imenso e frágil orgulho, não somos, afinal, mais do que argila que as mãos deles moldam a seu belo capricho. Feliz da argila que, no seu caminho, encontra, como eu, o estatuário que a vai moldando a acariciá-la! Gosto tanto de ti que me não revolto, eu, a eterna revoltada, aquela que teve sempre por coração um oceano imenso a que ninguém jamais descobrira o fundo. Como te tens lembrado hoje de mim? Com saudades? Com desejos de me beijar? Com tristeza? Como? Gostava tanto, tanto de saber a cor dos teus pensamentos quando são meus! Queria que eles fossem roxos, como os lilases, ou cor-de-rosa como os beijos que eu te dou. Tenho saudades, saudades, saudades. Reparei agora para uma coisa: é curioso como eu não sou capaz de vestir um vestido alegre quando tu não vens. Já segunda-feira vesti o vestido preto e hoje sem pensar fui vesti-lo outra vez. E é verdade que eu ando de luto, de luto por uns beijos que trago e que se não dão e que morrem de frio longe da tua boca; queres luto mais triste? Meu amigo, tu és muito mau que me não quiseste hoje ao pé de ti.

Florbela Espanca,
in "Correspondência (1920)"