31/01/2011

... simplesmente doloroso ...



... Depois algum tempo, aprendes que o sol queima se ficares exposto muito tempo. E aprendes que não importa o quanto te importas, algumas pessoas simplesmente não se importam...  
(shakespear)

30/01/2011

...ignoraria tudo...


A entrada na vida é inocente, por isso então é pura a alegria; a continuação da mesma vida é vaidosa, por isso a alegria então é imperfeita. Nos primeiros anos vemos as cousas como elas são, depois vemo-las, como os homens querem, que elas sejam; em um tempo a alegria só depende de nós: depois também depende dos outros; naquela a alegria vem de uma natureza ainda ignorante, e sem vaidade; depois procede de uma natureza já instruída, e por consequência vaidosa. Que cousa é a ciência humana, senão uma humana vaidade? Quem nos dera, que assim como há arte para saber, a houvesse também para ignorar; e que assim como há estudo, que nos ensina a lembrar, o houvesse também, que nos ensinasse a esquecer.
Matias Aires,
in 'Reflexões Sobre a Vaidade dos Homens e Carta Sobre a Fortuna'

28/01/2011

...eternamente descontente...


É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo. Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica. E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários políticos" do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes...
José Saramago in,
Este mundo da injustiça globalizada 

25/01/2011

...não deixes...


Não interessa ter o meu corpo despido quando ainda a minha alma está por descobrir. Não deixes que o medo seja a tua única veste quando os nossos corpos, mesmo que desproporcionais, encaixam perfeitos... Quando são tantas as vezes que a nossa língua é diferente e só um beijo nos cala a estupidez.

pandora
na sua caixa

23/01/2011

...rodeia-me...


Detesto a acção. A acção mete-me medo. De dia podo as minhas árvores, à noite sonho. Sinto Deus - toco-o. Deus é muito mais simples do que imaginas. Rodeia-me - não o sei explicar. Terra, mortos, uma poeira de mortos que se ergue em tempestades, e esta mão que me prende e sustenta e que tanta força tem...

Como em ti, há em mim várias camadas de mortos não sei até que profundidade. Às vezes convoco-os, outras são eles, com a voz tão sumida que mal a distingo, que desatam a falar. Preciso da noite eterna: só num silêncio mais profundo ainda, conto ouvi-los a todos.

Raul Brandão, in 'Húmus'

...as perguntas...


...é sempre a mesma coisa, sempre as mesmas duvidas, sempre as mesmas perguntas, e sempre a mesma resposta... mas, quem continua a ter necessidade de perguntar, será que estaria preparado para ouvir a resposta...?!...

06/01/2011

... o Lugar ...


 
já é noite, o frio está em tudo o que se vê, lá fora ninguém sabe que por dentro há vazio, porque em todos há um espaço que por medo não se deu, onde a ilusão se esquece do que o medo não previu

já é noite o chão é mais terra pra nascer, a água vem escorrendo entre as mãos a percorrer, todo o espaço entre a sombra entre o espaço que restou, para refazer na vida no que o medo não matou

mas onde tudo morre tudo pode renascer, em ti vejo o tempo que passou, vejo o sangue que correu, vejo a força que me deu quando tudo parou em ti, a tempestade que não há em ti, arrastando para o teu lugar e é em ti que vou ficar

já é dia e a sombra está em tudo o que se vê, lá fora ninguém sabe o que a luz pode fazer, porque a noite foi tão fria que não soube acordar, a noite foi tão dura e difícil de sarar

mas onde tudo morre tudo pode renascer, em ti vejo o tempo que passou, vejo o sangue que correu, vejo a força que me deu quando tudo parou em ti, a tempestade que não há em ti, arrastando para o teu lugar e é em ti que vou ficar

mas eu descobri a casa onde posso adormecer, eu já desvendei o mundo e o tempo de perder, aqui tudo é mais forte e há mais cores no céu maior, aqui tudo é tão novo e o que pode ser amor

e onde tudo morre tudo volta a nascer, em ti vejo o tempo que passou, vejo o sangue que correu, vejo a força que me deu quando tudo parou em ti, a tempestade que não há em ti, arrastando para o teu lugar e é em ti que vou ficar

já é dia e a luz está em tudo o que se vê, cá dentro não se ouve o que lá fora faz chover, na cidade que há em ti encontrei o meu lugar, e é em ti que vou ficar.

tiago bettencourt in,