29/07/2010

... É possível ...



É possível falar sem um nó na garganta, é possível amar sem que venham proibir, é possível correr sem que seja a fugir. Se tens vontade de cantar não tenhas medo: canta.
É possível andar sem olhar para o chão, é possível viver sem que seja de rastos.Os teus olhos nasceram para olhar os astros. Se te apetece dizer não, grita comigo: não.
É possível viver de outro modo. É possível transformares em arma a tua mão. É possível o amor. É possível o pão. É possível viver de pé.
Não te deixes murchar. Não deixes que te domem. É possível viver sem fingir que se vive. É possível ser homem. É possível ser livre livre livre.

Manuel Alegre,
O Canto e as Armas

12/07/2010

... o poço...

Neruda faria hoje anos...


Cais, às vezes, afundas em teu fosso de silêncio, em teu abismo de orgulhosa cólera, e mal consegues voltar, trazendo restos do que achaste pelas profunduras da tua existência.
Meu amor, o que encontras em teu poço fechado? Algas, pântanos, rochas? O que vês, de olhos cegos, rancorosa e ferida?

Não acharás, amor, no poço em que cais o que na altura guardo para ti: um ramo de jasmins todo orvalhado, um beijo mais profundo que esse abismo.

Não me temas, não caias de novo em teu rancor. Sacode a minha palavra que te veio ferir e deixa que ela voe pela janela aberta. Ela voltará a ferir-me sem que tu a dirijas, porque foi carregada com um instante duro e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorri se minha boca fere. Não sou um pastor doce como em contos de fadas, mas um lenhador que comparte contigo terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorri e me ajuda a ser bom. Não te firas em mim, seria inútil, não me firas a mim porque te feres.

Pablo Neruda,
O poço

06/07/2010

...identidade...

"O sofrimento é o nosso meio de vida porque é o único meio através do qual temos consciência de existir, a lembrança dos sofrimentos passados nos é necessária como um testemunho, uma prova de que continuamos a manter a nossa identidade." 
Oscar Wilde