Nós, pobres mulheres, apesar do nosso imenso e frágil orgulho, não somos, afinal, mais do que argila que as mãos deles moldam a seu belo capricho. Feliz da argila que, no seu caminho, encontra, como eu, o estatuário que a vai moldando a acariciá-la! Gosto tanto de ti que me não revolto, eu, a eterna revoltada, aquela que teve sempre por coração um oceano imenso a que ninguém jamais descobrira o fundo. Como te tens lembrado hoje de mim? Com saudades? Com desejos de me beijar? Com tristeza? Como? Gostava tanto, tanto de saber a cor dos teus pensamentos quando são meus! Queria que eles fossem roxos, como os lilases, ou cor-de-rosa como os beijos que eu te dou. Tenho saudades, saudades, saudades. Reparei agora para uma coisa: é curioso como eu não sou capaz de vestir um vestido alegre quando tu não vens. Já segunda-feira vesti o vestido preto e hoje sem pensar fui vesti-lo outra vez. E é verdade que eu ando de luto, de luto por uns beijos que trago e que se não dão e que morrem de frio longe da tua boca; queres luto mais triste? Meu amigo, tu és muito mau que me não quiseste hoje ao pé de ti.
Florbela Espanca,
in "Correspondência (1920)"
2 comentários:
...sempre enigmática...a sábia Florbela Espanca...
Beijos
a Florbela era muito mais pura do que muitos de nós... o seu espírito já sabia tudo, sobre o amor e a saudade... e ainda bem que nos deixou seus pensamentos
beijo leca
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